Quem olha para Maria Guilhermina de Melo sentada numa carteira escolar, com caderno bem cuidado, letra caprichada, borrachas, canetas e lápis organizados no estojo e um largo sorriso nos lábios não consegue imaginar as dificuldades que a aposentada, de 67 anos, encontrou até entrar na sala de aula pela primeira vez no início deste ano. Aluna da Educação de Jovens e Adultos (EJA), dona Maria faz parte do grupo de 3.700 estudantes matriculados nessa modalidade de ensino em 34 escolas da Rede Municipal de Educação de Vitória da Conquista.

Os motivos que levaram esses alunos a entrarem tardiamente na escola são diversos. Os de dona Maria: trabalho e “percalços da vida”, como ela mesma diz. Cearense, dona Maria foi criada pelos avós e, por motivos que prefere não revelar, foi afastada deles ainda criança. Depois de muitas viagens, muitas cidades e muitas histórias, chegou a São Paulo em 1979. Lá viveu por 36 anos, onde trabalhou em empresas públicas e privadas, principalmente na área de serviços gerais. Foi em São Paulo que a aposentada, hoje também estudante, teve três filhos que estão com 50, 40 e 39 anos respectivamente.

Em 2015, por insistência da filha caçula e do neto, que moram em Vitória da Conquista, vendeu tudo o que tinha e se mudou para o bairro Vila Elisa, onde comprou um sítio. “Ah, minha vida aqui é muito boa, um sonho, crio meu gatinho e cuido das minhas galinhas. Também têm frutas nos pés; até esses dias tinham poncãs muito doces”, lembra, dona Maria, que mora com um senhor que trouxe de São Paulo. “Ele não é meu marido não, a gente nunca teve nada”, alerta ao mencionar que Sebastião foi como um pai para ela, ajudando nos momentos mais difíceis de sua vida. “Agora que ele tá precisando, não vou virar as costas, né? Cuido tão bem dele que só falto aula quando ele está doentinho”, explica carinhosa.

No início, dona Maria, assim como muitos jovens e adultos matriculados nas 111 turmas de EJA implantadas no município, tinha vergonha de ir para escola. “Achava tão bonito alguém lendo, olhando para o ônibus e falando para o lugar onde ia, mas tinha um constrangimento danado de entrar na escola já da minha idade”. Mudou de opinião quando conheceu Ninha. “Ela é a moça que me ajuda lá em casa. Aí um dia ela disse assim: dona Maria, você vai estudar. Dá aqui seu RG. E não é que ela pegou meu RG, me matriculou e disse: olha, segunda a senhora já começa”. No início, Ninha acompanhava a aposentada até a escola todos os dias, mas agora dona Maria já vai sozinha, às vezes de ônibus, às vezes caminhando na companhia das colegas.

Na sala de aula – Comunicativa, dona Maria Guilhermina brinca com todos os colegas em sala de aula. “Hoje tem prova de matemática, você tá com cara de que não estudou”, diz para um. E virando-se para o outro adverte: “menino, tu tá faltando demais, vai perder de ano. Tem que vir pra escola, a professora Neide fica esperando”.

Assim como Neide, 220 professores e 102 gestores lidam diretamente com essa modalidade de ensino, que conta com uma coordenação específica e estão aptos a auxiliar esses alunos não somente a aprenderem a ler e escrever, já que em Vitória da Conquista, a EJA conta com turmas dos segmentos I e II, atendendo alunos do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental.

A aposentada gosta de viajar, principalmente para a casa dos filhos que moram no Rio de Janeiro e em Pernambuco. “Mas como não posso ir lá direto, vamos nos falando por aqui”, diz a amante das redes sociais, mostrando o celular com um vídeo da bisneta que acabara de completar um ano. “Essas coisas aqui são boas demais, através das redes sociais já tenho amigos em Portugal e até dos Estados Unidos, que sempre me chamam pra ir pra lá”.

Planos para o futuro, dona Maria Guilhermina tem muitos: “sempre digo: não tenho pressa de morrer! Quero viver 120 anos. Até lá, terminar a escola e fazer faculdade, como o meu neto Darlan Caíque, que é o grande amor da minha vida”.