Cultura
Postado em 7 de abril de 2017 as 18:18:43 e atualizado em 10 de abril de 2017 as 11:33:25
Artistas chamaram a atenção de quem passou pela praça Nove de Novembro
Ao caminhar pelo centro da cidade, na tarde desta sexta-feira, 7, o eletricista Jairo Gusmão de Oliveira se deteve por vários minutos na praça Nove de Novembro, atraído por uma performance organizada pelo grupo teatral Olaria.
“Eu não sei qual é o movimento deles aí… Mas achei bem interessante, porque atrai as pessoas e a gente vê um movimento assim, diferente no nosso dia a dia. Então, parei para observar e me atraí por isso”, contou ele, já quase no final do espetáculo.
Era para ser assim mesmo. Uma intervenção feita na rua, para ser vista pelo público que estivesse passando por ali. A compreensão, naturalmente, dependeria da forma como cada um apreenderia o que visse, ouvisse e sentisse ali.
A performance, intitulada “Jogo de Composição”, era uma das intervenções previstas no Festival de Artes Performativas Conquista Ruas, que acontece desde quinta-feira, 6, em lugares variados. A atriz e dançarina Thiana Barbosa, uma das integrantes do grupo Olaria, compara o espetáculo a uma jam session, por conter bastante improviso, embora não abra mão de um roteiro pré-estabelecido.
O “Jogo” envolve dança, música, declamação de poemas, teatro e tudo o mais que os artistas envolvidos pensarem. “É uma prática fundamental do nosso grupo. A gente utiliza o Jogo de Composição, tanto como criação cênica, quanto como aquecimento corporal. Esse jogo, na verdade, é uma espécie de jogo de improvisação. A gente lida muito com improvisação em tempo real. Mas a gente também tem um roteiro, um repertório de jogos coreográficos e dramáticos”, explica Thiana, que é formada em Dança pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb).
‘Nossa Senhora dos Desejos’ – Bem ali ao lado, na mesma Nove de Novembro, outra performance dividia as atenções dos passantes com o “Jogo de Composição”. Era a “Nossa Senhora dos Desejos”, interpretada pelo ator Lucas Feres, vindo de Salvador. Totalmente tingido de vermelho, trajando longas vestes e uma coroa – todos da mesma cor – que remetem à representação clássica das santas católicas (ainda que em sua face se destacasse um vistoso bigode), o artista, sentado numa cadeira, tinha diante de si um banco, onde podia se sentar quem quisesse.
A personagem começava a conversar com a pessoa que se sentasse no banco. Perguntava-lhe se tinha algum desejo e pedia-lhe que o escrevesse num papel. Ela, então, queimava o papel e, depois, o molhava. O também artista Diego Alcântara, formado em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), se sentou no banco da “Nossa Senhora dos Desejos” e descreveu a experiência como “uma coisa muito sutil”.
“Tem um quê de confissão”, disse Diego. “Acho bem proposital colocar essa performance numa praça de uma cidade, que é um lugar onde todo mundo transita. Então, é uma espécie de atravessamento, uma aparição. Sabe quando uma santa aparece em algum lugar, todos os romeiros vão até o lugar e, de repente, é um lugar de oração? Eu acho que tem a ver com essa coisa da aparição e desse diálogo. Um diálogo mais informal do que a gente imaginaria se uma santa aparecesse”.
O artista identificou um sentido também no ato de escrever o desejo no papel. “Acho que essa transformação, queimar, depois molhar, há uma transformação. O papel fica diferente também. Cria outra imagem do papel. Acho que tem a ver com esse lugar de transmutação do desejo, também”, ponderou.
‘Coisas instigantes’ – Apoiado pela Prefeitura, por meio da Secretaria de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer e da Coordenação de Juventude, o Festival de Artes Performativas Conquista Ruas segue com sua programação até o domingo, 9, com outras performances, mostra de vídeos e outras atividades às quais a maioria das pessoas que transitam pelo centro da cidade não estão habituadas a ver no dia a dia. O projeto envolve um total de aproximadamente 25 artistas – boa parte deles vinda de Salvador.
“O nosso objetivo, nesse festival, a ideia que liga todo mundo, é ocupar os espaços públicos com arte, com cultura e sem fronteiras”, informa Carol Dia, que faz parte da produção do Festival Conquista Ruas.
“Queremos preencher o cotidiano de uma forma criativa, às vezes política, também. Tem muitas performances que têm esse viés. E provocar as pessoas com coisas instigantes, coisas diferentes, que saiam do cotidiano delas”, acrescentou Carol.
Enfim, parece ter sido isso o que houve com Jairo, o eletricista. Ponto para a arte.