Meio Ambiente
Postado em 23 de julho de 2022 as 11:59:12
Diariamente, assim que chega ao Herbário Sertão da Ressaca, no alto da Serra do Periperi, bem ao lado da sede do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) e próximo à estrada que leva ao monumento do Cristo, o viveirista Nicodemos Cascais dos Santos, 60 anos, começa a rotina diária.
Cessa a terra que vai servir para produzir as mudas, mistura-a com os substratos e adubos necessários e, em seguida, deposita essa mistura em sacolinhas pretas de plástico, pelas quais serão distribuídas as sementes – ou pequenos galhos, nos casos de algumas espécies. Em algumas sementes, ele precisa fazer uma raspagem, a fim de facilitar a germinação. “É para quebrar a dormência”, explica Nicodemos. “Raspando assim, fica mais fácil para a semente absorver a água e germinar”.
Enquanto faz esse serviço, ao lado dos colegas, Simão de Oliveira, 65 anos, e Gilberto de Jesus, 52, ele ouve a trilha diária: os diferentes cantos de sanhaços, figas, bem-te-vis, lavadeiras, pombinhas, pardais e até os famosos periquitos, tão comuns em outros tempos e hoje bem mais raros na região. A presença das aves não é por acaso, pois a equipe do Herbário costuma deixar frutas para eles se alimentarem. “Aqui é um lugar muito bom de trabalhar. O pessoal que vem aqui, fica admirado”, observa Nicodemos, que trabalha no Herbário há cerca de quinze anos. Antes disso, passou pelo Horto Municipal e pelo Cetas.
A essa sinfonia de cantos, somam-se presenças que podem parecer inusitadas para quem vive e trabalha diariamente na zona urbana de Vitória da Conquista – mas que, para Nicodemos, Simão e Gilberto, são comuns. Enquanto lidam com as mudas, os viveiristas costumam dividir o espaço com macacos-pregos, micos, cotias, saruês, entre outros animais. Recentemente, deram-se conta da presença de uma preguiça, que apareceu por lá à procura de alimento.
Em outros casos, os visitantes são menos “exóticos”, como um cachorrinho que foi adotado pela equipe do Cetas – e cuja boa aparência evidencia os cuidados com que é tratado por eles. Enquanto está por ali, o cão assusta involuntariamente a pequena Juma, uma gatinha que apareceu por lá há cerca de vinte dias, aparentemente descartada por alguém.
Hoje, com mais ou menos um mês de vida, Juma acabou por ser adotada por Lázaro, o responsável pelo Herbário. Ganhou comida, água, uma caixinha de areia, outra com panos quentinhos onde pode dormir. E, assim, tornou-se a mais recente mascote da equipe de viveiristas que mantém o Herbário em funcionamento.
Preservação da flora local
Criado pela Prefeitura há 22 anos, o espaço contém hoje um arquivo com mais de 400 exsicatas botânicas. Trata-se de pastas com mudas secas de diferentes espécies típicas da Serra do Periperi. As pastas trazem pequenos ramos com descrições detalhadas sobre a família e a espécie. Cada uma dessas mudas passou por um processo de desidratação, que envolve equipamentos como uma prensa de madeira – na qual as mudas são colocadas entre jornais velhos e pedaços de papelão – e uma estufa equipada com lâmpadas, que são responsáveis por manter a temperatura adequada ao processo de desidratação.
Entre as exsicatas, por exemplo, há um exemplar da espécie Himatanthus sucuuba, vinculada à família das Apocynaceas, cujo registro, feito em 16 de setembro de 2000, traz uma descrição técnica: “arbustiva, lacrescente, folhas simples lanceoladas, alternas, espiraladas, fruto folículo gemiado deiscente em forma de chifre, contendo sementes aladas, inflorescência terminal, corola branca perfumada, caule apresenta casca rugosa”.
Segundo Lázaro, as informações reunidas no acervo do Herbário serviram como base para a composição do Plano de Manejo da Serra do Periperi. Ali, há um importante catálogo sobre a flora da região. “É importante conhecer tudo isso, para que possamos preservar essas espécies. A partir do momento em que sabemos que elas existem, podemos identificar onde há exemplares, colher as sementes, fazer a reprodução e garantir a perpetuação das espécies e até a preservação da Serra do Periperi”, explica o engenheiro agrônomo.
De herbário a viveiro
Ao longo de sua história, o Herbário foi gradualmente alterando sua forma de funcionamento. Originalmente concebido para catalogar as espécies da flora local – esta seria mesmo a função original de um herbário –, o lugar tornou-se um viveiro. Assim, passou a atuar como um centro de produção de mudas de espécies típicas da serra. “É um lugar primordial. É o nosso berçário, onde nós produzimos as nossas plantas. Plantamos hoje para, amanhã, termos uma cidade mais arborizada, com áreas recuperadas. E para tentar diminuir um pouco os danos causados durante tantos anos”, explica a secretária municipal de Meio Ambiente, Ana Cláudia Passos.
Atualmente, possui mais de 10 mil mudas de aproximadamente 30 espécies, a exemplo de pau-ferro, ipê-amarelo, mulungu, tamboril-bravo, copaíba e várias outras plantas facilmente encontradas na região de Vitória da Conquista. Em geral, a equipe fornece mudas com, no mínimo, 50 centímetros de altura, destinadas à recomposição florestal. A produção costuma ser utilizada pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente na recuperação de áreas degradadas da Serra do Periperi e de outros lugares do município.
Além disso, qualquer pessoa pode adquirir as mudas produzidas pela equipe do Herbário-Viveiro. Para isso, é necessário ir pessoalmente à Semma, preencher um cadastro e, posteriormente, ir ao local para retirar a muda solicitada. Há um limite máximo de três mudas por pessoa. Segundo Lázaro, a limitação se tornou necessária, dada a intensidade da procura por plantas típicas.
“Temos uma demanda muito grande por mudas aqui. Diariamente, a população tem nos procurado”, informa. A procura é mais intensa, segundo ele, entre os meses de outubro e janeiro, por ser um período chuvoso. “É um período ideal para o plantio. Então, nessa época temos um pico de procura”.
Além da recuperação ambiental e da busca por mudas avulsas, o Herbário-Viveiro também é constantemente procurado por estudantes, em busca de aulas práticas. O local já foi visitado por turmas infantis e de ensino superior, tanto de instituições públicas quanto particulares. As visitas foram suspensas durante o período da pandemia, mas já foram retomadas. Há cerca de dois meses, por exemplo, o local recebeu estudantes do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (Ifba).
Como posso adquirir mudas?
Caso queira se cadastrar para solicitar mudas, a pessoa deve comparecer à sede da Semma, que fica na Rua dos Fonsecas, nº 41, Centro (a mesma rua da TV Sudoeste). O contato também pode ser feito pelos telefones: (77) 3429-7900 e (77) 3429-7906. Também está disponível o e-mail: gabinete.semma@gmail.com. O atendimento é feito das 8h às 12h e das 14h às 18h. Além de adquirir a muda, a pessoa recebe ainda orientações sobre como plantá-la e como mantê-la. Ana Cláudia explica que essa iniciativa faz parte do projeto Arvorecer, lançado pela Semma em 2018. “Criamos esse projeto para conscientizar as pessoas. Para não plantar a espécie inadequada na calçada ou debaixo da fiação elétrica. Ou para não plantar árvores de grande porte próximo ao meio-fio. São orientações importantes para que, no futuro, a gente evite problemas que ocorrem devido à falta de orientação”, explica a secretária.