Desenvolvimento Social
Postado em 3 de dezembro de 2013 as 09:35:56
“Aqui, eles aprendem a ser sujeitos. É uma política de inclusão social”, disse o coordenador do serviço
Aos poucos, a vida nas ruas vai deixando de ser realidade para as cerca de 20 crianças e adolescentes acolhidos pelo Centro de Referência Especializada de Assistência Social para a População em Situação de Rua (Creas Pop). O serviço, coordenado pela Prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, tem, como principal meta, acolher esses jovens e oferecer condições para que eles retornem ao convívio familiar.
O programa acolhe exclusivamente pessoas com idade entre 10 e 18 anos, que estejam em situação de rua. Segundo o psicólogo Ualy Castro, coordenador do Creas Pop – Criança e Adolescente, há três critérios que devem ser observados para se afirmar que alguém está “em situação de rua”: a) a ausência de um endereço fixo ou alternativo, que o leve a dormir nas ruas; b) a renda, abaixo da chamada “linha da pobreza”; e c) que os vínculos familiares estejam fragilizados ou rompidos. “São pessoas que passam por diversas dificuldades”, explica Ualy. “Aqui, eles aprendem a ser sujeitos. É uma política de inclusão social”.
‘Papel imprescindível’– No serviço, os jovens têm acesso a uma série de atividades que pretendem alterar esse quadro de vínculos frágeis. Na verdade, o objetivo é levar a que os jovens se desfaçam de seus vínculos com as ruas e reforcem os que os ligam às suas famílias. Trata-se de uma tarefa que exige mobilização e esforços permanentes. Um deles foi a reunião realizada na tarde do último sábado, em que o coordenador Ualy e outro psicólogo Vagner Lemos conversaram com familiares dos jovens acolhidos pelo programa. “Queremos que estejamos mais próximos um do outro”, disse Ualy aos presentes. “O papel do pai e da mãe, na construção de um sujeito, é imprescindível”.
Histórias – A programação de sábado, aliás, foi mais que uma mera reunião. Ali, várias histórias se encontraram. E, entre elas, havia um ponto em comum: por que, afinal, os meninos deixaram para trás suas famílias e passaram a viver diariamente as incertezas da vida nas ruas? Para começar a tentar encontrar resposta para tal questionamento, é necessário ouvir ambas as partes. Vejamos então, a seguir, duas histórias: a primeira, de uma garota, usuária do Creas Pop – Criança e Adolescente há dois anos, que está voltando a encontrar algum sentido na vida familiar. E a segunda, de uma tia de outro adolescente, que hoje dedica grande parte de seus esforços a tentar retirá-lo das ruas. A fim de preservá-los, todos os personagens citados a seguir serão identificados por nomes fictícios.
“Agradeço muito ao Creas Pop, pelo que está fazendo por mim”
Quando fala sobre o período em que viveu nas ruas, Paula abaixa a cabeça e sua voz parece diminuir. É preciso fazer um pequeno esforço para ouvi-la. Afinal, as recordações ruins ainda estão bem vivas em sua memória. Hoje com 15 anos, há dois sendo acolhida pelo Creas Pop Criança e Adolescente, ela parece já conseguir visualizar os motivos que a levaram a trocar a convivência em família pela vida nas ruas. “Foi quando eu perdi meu pai. Aí me revoltei e fui para a rua”, diz a garota, antes de admitir que seu relacionamento com a mãe nunca foi fácil: “Não me dou muito bem com ela”.
Paula vivia com outros adolescentes num imóvel abandonado, localizado na esquina entre a Avenida Régis Pacheco e a rodovia BR-116. Não era raro que ela e o grupo passassem o dia inteiro inalando o conteúdo de uma pequena lata com “tíner”, um popular solvente para tintas e vernizes, cuja inalação é capaz de causar efeitos alucinógenos. Além disso, recorria frequentemente ao uso da maconha. Teve de suportar a morte de dois companheiros de rua, ambos assassinados.
A rotina foi essa, até o dia em que ela e seu grupo foram abordados por uma equipe do Creas Pop. “Eles conversavam com a gente, davam conselho para a gente sair da rua. Aí, eu ouvi o conselho deles e saí. Vim para cá. Estou me sentindo bem aqui”, afirma. No serviço, Paula tem acesso a refeições regulares, higiene e estudos, além de atividades culturais e esportivas. Ganhou o direito de dormir numa cama, após longas noites passadas em calçadas. E, assim como os outros adolescentes acolhidos pelo serviço, mantém-se em permanente contato com psicólogos, até o momento em que for atingido o objetivo essencial do programa: a reinserção familiar.
“Agradeço muito ao Creas Pop, pelo que está fazendo por mim”, diz Paula. Segundo ela, metade do grupo com quem convivia, em situação de rua, também aderiu ao serviço. Outros continuam, ainda, na mesma situação. “Peço a Deus que abençoe para que eles saiam de lá, também”, deseja a garota.
“Tenho fé e esperança de que meu sobrinho, um dia, será alguém”
Fabiana Silva foi uma das participantes da reunião do sábado, 30, no Creas Pop – Criança e Adolescente. Ela é tia do jovem Mauro, de 17 anos, usuário do serviço. Após o fim da conversa com os psicólogos, Fabiana deteve-se por um momento e olhou para alguns adolescentes que jogavam bola num campinho. “Se não fosse o Creas Pop, aqueles jovens estariam todos na rua, usando drogas”, refletiu. “Mas agora, eles estão todos ali, envolvendo a mente. O Creas Pop nunca desiste desses adolescentes”.
Não desiste, por exemplo, de seu sobrinho, Mauro, que foi para as ruas após problemas familiares. O garoto não conheceu a mãe, e o pai sofreu um acidente vascular cerebral quando ele tinha 11 anos. “Isso gerou nele um tipo de depressão. Faltou uma vida familiar para ele. Um apoio de mãe”, observou Fabiana. O garoto, então, seguiu o caminho do irmão mais velho e foi viver nas ruas. Envolveu-se com o tráfico de drogas e chegou a ser baleado num tiroteio.
Até que, assim como Paula, travou contato com a equipe de abordagem do Creas Pop – Criança e Adolescente, e concordou em conhecer o programa. “É um trabalho maravilhoso”, disse a tia Fabiana. “Eles sempre estão se preocupando com os nossos filhos e buscando esse afeto familiar”.
Apesar das preocupações constantes, Fabiana garantiu sentir mais alívio quando é informada de que Mauro está no Creas Pop, e não na rua. “É uma confiança de que vou reencontrá-lo aqui. Quando ele está na rua, não tenho essa esperança”.
A experiência com o serviço fez com que Fabiana extraísse ensinamentos que podem ser estendidos também a quem não tem familiares em situação de rua. “A gente nunca pode desistir”, disse. “Ele é meu sobrinho, mas eu o tenho como um filho. Nunca vou desistir dele. A sociedade pode até desistir, julgar, condenar. Mas tenho fé e esperança de que, um dia, meu sobrinho pode ser alguém”.










