Comunicação
Postado em 11 de novembro de 2025 as 09:12:48
Pouco mais de 20 quilômetros separam a Praça Tancredo Neves, marco simbólico da batalha que deu origem ao município de Vitória da Conquista, ao Distrito de José Gonçalves. Popularmente conhecido como “Guigó”, apelido que faz referência a uma espécie de macacos e a um riacho próximo, José Gonçalves conserva ainda hoje traços de sua formação histórica e de uma cultura que resistiu ao tempo. O distrito foi criado pela Lei Estadual nº 1.126, de 27 de agosto de 1915.

Com aproximadamente 6.700 habitantes, segundo o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o distrito é o mais populoso do município. Antes da fundação oficial do Arraial da Conquista, em 1783, já havia a presença de colonos nas terras de José Gonçalves. O local foi o primeiro território ocupado no Planalto da Conquista, abrigando as tropas lideradas por João Gonçalves da Costa, o sertanista que enfrentou as tribos indígenas locais e fundou o núcleo que se transformaria na atual cidade de Vitória da Conquista.

De acordo com o historiador Ruy Medeiros, a ocupação do território de José Gonçalves se deve ao fato de localidade estar situada em uma rota estratégica que levava à região da Vila de Minas do Rio das Contas e passava por cursos d’água como o rio das Contas e o rio Gavião. Aquela região era a porta de entrada e eixo de ligação entre os sertões baianos e as vilas mineiras, o que explica sua relevância histórica e econômica no processo de colonização.

A história do Distrito de José Gonçalves se confunde à formação de Vitória da Conquista. Entre as famílias mais tradicionais que ajudaram a construir a história local, destacam-se as famílias Meira e Correia, nomes diretamente ligados à criação das primeiras instituições educacionais e religiosas e constantes na história política do município.
História, conflitos e memórias
José Gonçalves foi cenário de embates políticos e disputas territoriais ao longo dos séculos XIX e XX. Conforme lembra a moradora Adalgisa Correia Melo (dona Ziza), durante os anos 1930, período dominado pelos “coronéis”, os confrontos armados eram comuns. “Dá pra notar que algumas casas ainda têm paredes largas e reforçadas, feitas para resistir aos tiros. As pessoas viviam com medo de uma possível guerra”, recorda a moradora.

Algumas marcas, visíveis na arquitetura das antigas moradias, como as grossas paredes de adobão, revelam a memória viva de uma época em que autoridade e poder se confundiam com fronteiras familiares e políticas. “As paredes das casas eram reforçadas pois as pessoas temiam os tiroteios na época dos conflitos”, ressaltou Ziza.
Dona Ziza é filha do professor Moisés Meira e recorda a trajetória do pai como fundador da primeira unidade escolar do distrito, o Colégio de José Gonçalves, que posteriormente foi batizado de Centro Municipal de Educação Moisés Meira. Com 70 anos de existência, a escola atende atualmente mais de 700 alunos de toda a região.
Outro fator marcante da história do distrito relatado pela moradora é sobre a construção da capela e hoje Igreja Matriz dedicada à Nossa Senhora da Conceição, erguida graças ao empenho e devoção da família Correia, a mesma do primeiro intendente republicano de Vitória da Conquista, Joaquim Correia de Melo.

Joaquim Correia de Melo (foto da galeria de ex-prefeitos)
Economia antiga e atual
Com forte vocação agropecuária, José Gonçalves mantém até hoje sua base econômica no cultivo de milho, mandioca e feijão, além da criação de caprinos e ovinos.
A região circunvizinha, especialmente nos povoados de Itapirema, Itaipu e Lagoa dos Patos, revela outro potencial econômico: a extração de minérios. Nesses locais, é possível encontrar matérias-primas utilizadas na construção civil, como diatomita (cimento), gnaisse (brita) e até mármore e granito.
Nascido no distrito, Alírio Júnior considera um privilégio viver em José Gonçalves e destacou os recentes investimentos no desenvolvimento local, como a ampliação de serviços de saneamento, saúde e educação. “Viver em José Gonçalves é um privilégio para poucos. Temos hoje facilidades de estarmos próximos de Vitória da Conquista, temos ônibus coletivos e transporte alternativo a cada 30 minutos, estamos bem assistidos”, destacou o morador.
Até meados de 1995, o distrito também contava com uma feira livre tradicional, ponto fundamental de abastecimento e circulação de riquezas. O evento dominical atraía feirantes e consumidores de toda a região, que comercializavam carnes, cereais, confecções e produtos manufaturados.
Atualmente, a feira resiste com tamanho reduzido, reflexo da expansão dos mercados locais e da facilidade de acesso à sede de Vitória da Conquista. Ainda assim, mantém viva a tradição de encontro e trocas, elemento essencial da cultura popular conquistense.
Tradição e o futuro
Hoje, José Gonçalves se equilibra entre passado e modernidade: preserva os traços coloniais e os laços comunitários tradicionais enquanto se projeta em direção ao crescimento econômico e à valorização de sua herança cultural.
A proximidade com o Distrito Industrial dos Imborés e as novas rotas de escoamento regional colocam o distrito em posição estratégica para o desenvolvimento agroindustrial e em direção ao desenvolvimento de novos potenciais socioeconômicos.
Mais do que um distrito, José Gonçalves é um guardião da memória regional, o solo onde começou a história de Vitória da Conquista e onde ainda ecoam as vozes de seus primeiros povoados, suas batalhas e suas conquistas, um símbolo vivo da origem e da identidade do povo conquistense.
Contribuição historiográfica
Andrecksa Viana Oliveira Sampaio e Sônia de Souza Mendonça Menezes, «A memória da feira no distrito de José Gonçalves em Vitória da Conquista – BA», Geografares [Online], 30 | 2020, posto online no dia 8 julho 2020, consultado no dia 4 novembro 2025. URL: http://journals.openedition.org/geografares/426
Fotos: Arquivo Público Municipal





